Eu lembro bem
quando pré-adolescentes, meus amigos e eu amávamos o mundo dos quadrinhos. Amor
esse que se perpetua até hoje apesar do tempo de leitura não ser mais o mesmo
de outrora, mas que mesmo assim mantemo-nos atualizados graças as adaptações à
telona.
Naquele tempo
foi esta a afinidade que nos uniu. E esta afinidade foi revelando tantas outras
afinidades com o passar dos anos consolidando ainda mais nossa amizade e
perpetuando ainda mais o nosso amor pelas HQs.
Fazíamos
nossas próprias histórias em quadrinhos. Criávamos personagens de nossa própria
autoria em uma época em que, fechados em nossos mundinhos infanto-juvenis, não
tínhamos a menor ideia por não termos conhecimento de que ali também
praticávamos a estética do fanzine.
Porém toda
essa intensa troca lúdica com meus amigos teve um preço alto em nossa caminhada
a adolescência. Éramos considerados nerds
em uma época em que sequer existia tal palavra em nosso dicionário. Ao menos em
nossa Rua – e isso já nos bastava por que era o único mundo que conhecíamos –
éramos vistos pelas meninas da nossa idade como um bando de imaturos e
alienados. Pelos pais destas meninas
éramos taxativamente considerados vagabundos.
É verdade que
os tempos mudaram e hoje os quadrinhos são vistos como mais uma ferramenta de
estimulo a leitura e a isso considero legitimo porque boa parte de minha
formação literária deve-se inicialmente aos quadrinhos. Se hoje Oscar Wilde, Hermann Hesse e Augusto dos
Anjos entre tantos outros fazem parte de minha biblioteca é porque Turma da Mônica, Disney, heróis da Marvel, DC
e Vertigo existiram bem antes.
Mas ainda
assim o conceito de HQ não é visto como arte propriamente dita. Boa parte desse
conceito é moldada como arte ordinária ou simples mídia de entretenimento (kitsch).
Concordo que pelos mesmos preceitos que discuti em texto anterior, o mundo dos
gibis, de acordo com suas editoras obedece a um mercado consumista. Por outro
lado sem a internet como conseguiríamos ter contato com gibis estrangeiros em
outrora sem este sistema de consumo? De uma forma ou de outra a popularidade
dos quadrinhos se deu por este mercado e agora com a democratização da internet
podemos nos manter atualizados.
Quais seriam os
critérios usados para definirmos que as HQs respondem ou não correspondem a
“arte pela arte”? Com certeza não seriam as graphic novels que responderiam tais questões embora muitas dessas edições mereçam,
pelos seus artistas e roteiristas, tais considerações devido a seu estilo. A questão é bem mais complexa e discutível
que isso.
Mas é
justamente nos estratos mais altos de nossas sociedades que objetos de arte
fazem parte de um publico que consomem cada vez mais tais objetos. Às vezes nem
sempre com admiração estética como de praxe, mas como meras peças ornamentais.
Que possuem função apenas para servir de exibição ostentatória a outros em sua
sala de visitas.
As HQ’s não
obedecem estes seguimentos. Julgo que nem objetos de arte também deveriam. Voltada mais
para função informativa e mero entretenimento ela, a HQ, é vista em muitos outros
países como objeto estético. Ou seja, sua apreciação gráfica é colocada como
objeto de arte para um publico específico não necessariamente o de galeria. Ainda
assim esta arte é apreciada com a mesma contemplação estética. O que dizer dos
magníficos traços de desenhistas como Dave
Mckean, Bill Sienkiewicz, Frank Miller, David Mazuchelli e tantos outros. Sem falar no âmbito literário como os
roteiristas: (o próprio) Frank Miller,
Neil Gaiman, Allan More, etc...
Apesar de que as HQs tenham mesmo chegado a este estado de
contemplação como objeto de arte entre muitos admiradores, elas ainda encontram
resistência nos meios acadêmicos onde elas quase não são mencionadas e quando são é simplesmente para explorá-las ao conceito de Kitsch como arte
efêmera.
Talvez porque de fato tal expressão como mídia não faça parte
do mercado em que as cifras estratosféricas determinam “o que é de bom gosto” e
“o que não é de bom gosto”. Pergunto-me: será que maioria dois intelectuais,
admiradores da “boa arte” de fato foram formados por toda a sua vida por livros
acadêmicos romances clássicos de nossa literatura universal sem nunca terem
acrescentado nenhuma revistinha em quadrinhos em seu cardápio erudito? Eu não
acredito.
Mas enfim, ainda nos deparamos com o preconceito daqueles que
acham que histórias em quadrinhos são feitos para Nerds. Talvez não mais ligado a vagabundagem como
foi no meu tempo. Mas ainda a imaturidade permanece ligada nesta figura do nerd
alienado e anti-social e por isso imaturo como um garoto de cinco anos. Será?
De minha pessoa garanto que boa parte de minhas decisões
adultas foram tomadas com o mínimo de inspiração aos arquétipos que ainda
alimento em meu imaginário. Estes arquétipos são meus heróis e vilões de
HQs. E se por acaso, muitas dessas
decisões e atitudes foram tidas como loucas ou imaturas, é porque foram
julgadas segundo categorias impostas por uma realidade que se leva a serio
demais. Quero deixar claro aqui que não se trata de negação da realidade, mas
apresentar aqui uma visão alternativa que talvez possa salvar o mundo deste
caos e absurdo às avessas que aqui estamos submetidos. Isso sim, não nego em
dizer que seja um desejo utópico.
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