sexta-feira, 9 de agosto de 2013

ZOD PARA ALÉM DO BEM E DO MAL.



Atenção: este artigo contém spoiler. Se você não viu o filme O Homem de aço e pretende vê-lo seria aconselhável ler este artigo depois da sessão.

Os fãs (lê-se viúvas) de Richard Donner e Christopher Reeve me desculpem, mas Man of Steel é o melhor filme do heroi até hoje. A começar pela ausência de longuíssimas cenas românticas (lê-se chatíssimas) entre Clark Kent/Superman e Lois  Laine (obrigado Zack Snyder!) que marcaram exaustivamente os primeiros filmes. Também as cenas de ação bateram e muito (desculpem o trocadilho infame.) nos anteriores. É claro que são épocas distintas, mas incluo aqui todas as versões cinematográficas, sem exceções. E para àqueles que disseram que as longas 2 horas e meia do filme foram rápidas e por isso suas cenas sintéticas, é porque não despertaram ainda para o século XXI em que nosso cérebro precisa se adaptar aos excessos de informações para que possamos apreender o que de fato nos serve delas durante todo o dia. A época da contemplação mágica do cinema, com cenas longuíssimas e que às vezes caiam no mesmo ponto em que estas começavam, não existe mais. É por isso que as séries de tv fazem tanto sucesso nos dias atuais e enquanto ao cinema teve que se adequar ao sistema cada vez mais evidente da franquia.

A diferença do longa  de Snyder ter dado certo é que o drama (que é escolher entre os dois mundos em uma batalha) e a tragédia (que é saber que sua existência se fundamenta em salvar sua espécie). Andam de mãos dadas harmonicamente. Não estou falando especificamente de Kal El/Kent/Superman (interpretado aqui pelo até então azarão Henry Cavill da série Showtime). O drama certamente é a parte que lhe cabe. Mas talvez o que mais chama atenção é a tragédia embutida no general Zod (Michael Shannon o ambíguo policial “queixo grande” da série Boardwalk Empire).

Não vou perder meu tempo enumerando coisas “que fogem da essência do personagem”, porque na verdade elas não existem.  A meu ver criticas feita por fãs do personagem quanto a “Jor El (Russell Crowe) parecer mais um guerreiro que um cientista” ou que “Lois Lane estar loira e Perry White ser negro” é irrelevante (basta aqui reproduzir o entendimento de Alex Franco (colaborador desse blog) que me parece válida: “o povo de Krypton é um povo colonizador, logo, a essência da conquista faz parte e sua cultura”). Não preciso dizer muito a respeito disso.

Jor El (Russell Crowe). Pai de Kal El (Superman) cuja formação cientifica não exclui sua cultura colonizadora.
O que faz do general Zod ser tão diferente de Jack Bauer? A arma?
Mas o que quero falar é desta ambiguidade que muitas das vezes teimamos em colocar em um plano moral quando na verdade a coisa é muito mais complexa do que essa mera retórica poderia dar conta: General Zod, Vilão ou heroi?
É claro que pus aqui à pergunta o termo “heroi” só pra provocar. Na verdade o próprio conceito de heroi, hoje, está restrito a posições ideológicas beirando o nacionalismo protestante (Jack Bauer, da série 24 horas que o diga). Logo, as virtudes que vemos aqui, estão mais próximas do ideal aristotélico que filantrópicas ou humanísticas. A outra pergunta é que diferença faz qualquer uma dessas correntes?

Mas esqueçamos desta pergunta – também foi só pra provocar – a pergunta de fato que ponho em tela é: Zod de fato é um vilão? Certamente não é o clássico vilão. Este clássico vilão morreu quando caras como Allan More lhes prestaram redenção ao escrever Histórias memoráveis como A Piada Mortal (já em 1988). Antes disso, obviamente, outras edições que não me recordo aqui, tornaram-se quebra de paradigmas ao libertar os vilões de sua “natureza” clássica.
Enfim o “preto” da maldade se fundiu com o “branco” encardido dos herois contemporâneos que põem em duvida suas questões éticas e ideológicas e tal qual uma banda de rock são obrigados a ficarem afastados uns dos outros até que um perigo de proporções um universais venham a uni-los novamente. E assim, tudo ficou cinza. Porque os “herois” tiveram que descer um degrau da decência na mesma medida que os vilões subiram de sua claustrofóbica e estereotipada (por que não caricata?) condição de meros sádicos sem nenhum propósito ou  teor hedonista, para as instancias humanas, demasiadas, humanas. E olha que não foi preciso nenhuma “magia” para isso acontecer.


Filmes como o regular Homem-Aranha 3 de Sam Raimi, de 2007, já davam inicio a esta nova perspectiva do vilão como ser humano dotado de  multiplicidade existencial (como todos nós). Mas é no desenho Megamente, 2010, (veja crítica no site omelete) que vemos, talvez pela primeira vez, personagens vilões mais próximos de gente como a gente do que os próprios super-herois e que apenas, por azar do destino ou mero “acidente de percurso” , o ambiente em que estas pessoas foram moldadas é o que determinará seus comportamentos e atitudes (mais Existencialista que isso, só Sartre!). É bem diferente do conceito simplista do indivíduo ter nascido “sementinha do demônio”, como às vezes, é usado por certos apresentadores sensacionalistas de TV para determinar que algumas pessoas nascem para praticar o mal, sem ao menos entender o que de fato as tornaram tão violentas ou transgressoras. Para muitas dessas pessoas, faltam oportunidades. As mesmas que faltaram para Flin (alter ego de Home-areia) no longa do HA3 e do próprio personagem Megamente. para os apresentadores de plantão, falta de vergonha ou de Sartre, mesmo). 

O mesmo se deu com Cristopher Nolan  que não escapou dessa nova tendência e por isso também nos presenteia Coringa (o ator? dispensa apresentações daquele que simplesmente imortalizou este personagem não somente no cinema, mas em qualquer mídia que ele venha a aparecer) e o trágico Bane (Tom Hardy) em sua inenarrável trilogia do Cavaleiro das trevas. A melhor franquia do Batman até agora.



Lembro-me de outra história, dessa vez nos quadrinhos: era do próprio Homem-Aranha. Uma história diferente de tudo que eu havia lido do aracnídeo. Não me lembro do roteirista e nem do desenhista (não liguem, isso sempre acontece comigo), o titulo era mais ou menos,;"Os dois lados da moeda.", acho. Conta um dia na vida de Peter Parker/Homem-Aranha, que todo mundo conhece e de um outro personagem só que desconhecido. Os quadros são divididos por ações em tempo real dos dois personagens principais. Peter acorda ao lado de Mary Jane Watson, o desconhecido acorda ao lado de sua esposa que encontrava-se grávida (Assim acredito recordar), ambos dizem para as suas respectivas esposas quando estas perguntam que irão trabalhar. E no fim do dia ambos se encontram. Peter como Homem – Aranha e o ilustre desconhecido na pele de um assaltante. O mais medonho é que o homem aranha é extremamente violento, truculento como um policial seria a um suspeito. Ele chega a ofender e diminuir seu adversário mesmo depois de subjugá-lo fisicamente. O homem, após uma violenta surra, vai preso, Peter chega em casa exausto. Diz para a Mary que o trabalho foi de acordo como os outros dias e que terá uma noite de sono agradável. O homem, não vai para a casa deixando a mulher e o seu futuro filho em condições subumanas.
Até o Homem-Aranha, como qualquer mortal, tem seus dias de "Bad-Boy". 

Talvez isso dê uma ideia do quanto tais questões no âmbito da moral, como a ética e a nobreza estejam em cheque nos dias de hoje. E deveriam. Porque tais moralismos, a meu ver, apenas servem para encobrir o que de mais sombrio se esconde por nossas cordiais atitudes. E os quadrinhos não é um caso à parte. Não preciso entrar em detalhes, todo o leitor de quadrinhos percebeu isso após a Guerra civil (da Marvel) e outras séries de proporções semelhantes (no caso da DC), quebrarem paradigmas morais.
Então por que Superman não pode matar? Por que Zod tem mais essa culpa para levar para o tumulo?
Muitas pessoas que viram o filme criticaram Zod, chamando-o de conquistador, e mais; de fazer com que Superman se corrompesse no final. Mas afinal, quem corrompeu quem? Zod era um soldado. Fãs de Jack Bauer da série 24 horas repudiaram a atitude de Zod, mas não criticaram as atitudes do personagem de Kiefer Sutherland no decorrer das oito temporadas. Seria por Zod ser um alienígena, logo, um estrangeiro e por isso, não teria o direito de reivindicar uma segunda chance a sua espécie? Aí vocês vão me dizer, “mas Ka El é Kriptoniano!” Será? Se fosse ele teria aderido à causa de Zod. Na verdade Kal El nunca existiu. O que de fato existe é Clark Kent. Toda a formação de decência e “nobreza” ele aculturou de seus pais adotivos. Ou melhor dizendo, Kal El nunca existiu porque o destino fez com que prevalecesse a existência de Clarck Kent por um processo de endoculturação.  O que de fato ele “herdou” da essência Kriptonyana, ou seja, de seu pai e mãe biológicos, nada mais é que os princípios filosóficos de um povo evoluído tecnologicamente... e  colonizador.
Clark Kent X General Zod. Suas origens remetem da mesma espécie, porém pertencem a culturas diferentes.

Quando Superman tira todas as chances de Zod de reconstruir Kripton na terra, ele também tira a única razão de Zod existir, porque, volto a tocar nos mesmos termos que venho repetindo, ele é um soldado, criado para defender a existência de Krypton. Mais do que isso, ele foi “pré-fabricado” no maior estilo Admirável mundo novo/1984 (obras literárias de Huxley e Orwell respctivamente) onde pessoas nasciam para servir seus sistemas (totalitários?) de castas, enquanto Kal El fora a primeira criança nascida naturalmente do ventre de sua mãe. Coisa que não acontecia há muito tempo em Krypton.   Só isso dá pra justificar o fato de Zod ter sido moldado para um propósito. Sem Kripton não há razão de Zod existir. É por isso que ele diz a Kal El: “Há única razão de minha existência, era trazer de volta Kripton. E você me tirou isso.” Para em seguida decretar: “esta luta terminará quando uma de nós morrer.” Ou vocês acham, querido leitores, de verdade, que Zod, um veterano de guerra altamente treinado e ainda capacitado com os mesmos poderes solares que Kal El, iria perder para um garoto criado com sucrilhos? Zod sai de cena como um verdadeiro heroi, mas não um heroi “nobre” ou “humano”. Mas um heroi que lutou até o fim pelo que acreditava.

Longe de qualquer debate moral o que coloco aqui é a questão existencial de Zod. Se ele luta e mata, não é por honra ou virtude. mas por um “bem maior”(o bem que favoreceria a sua espécie) e “por uma causa”(o de perpetuar o legado conquistador de seus pares) e estes códigos existenciais que todos nós carregamos inato dentro de nós  não implica atos nobres ou éticos. Por acaso a fome, o sexo ou qualquer que seja nossas necessidades fisiológicas exigem moral e nobreza? E aonde a cultura cabe nisso? Ela faz parte da natureza? Então como a nossa cultura pode ser a mais virtuosa até mesmo que a do próprio vizinho sem sermos obrigados a ter que admitir naturezas distintas?  (E olha que temos vizinhos pra caramba!) 

Os objetivos de Zod implicam apenas a perpetuação de sua espécie. Espécie essa que, por uma questão cultural, colidem com os interesses de Kal El porque colidem com os interesses da terra.
Muitas pessoas discordarão disso. Mas vai lá. É um debate e não sou dono absoluto de nenhuma razão. Expus aqui apenas as razões desse interessante personagem tão bem abordado por Snyder e talvez outro diretor não seria diferente por não ter a opção de escapar a abordagem tão contemporânea. A única coisa que espero nas futuras replicas é que estas venham despidas de qualquer visão etnocêntrica e abertas a olhar o outro sem apriorismos.
Em suma, e voltando a repetir, homem de aço é o melhor filme do personagem de todos os tempos (até agora). Porque carrega fortes ingredientes de um filme digno de ação com um pouco da tragédia contemporânea (ingredientes esses que tantos diretores de personagens HQs souberam entender em Ang Lee) e não soa repetitivo e monótono como os filmes de Donner ou até mesmo de Bryan Singer. Desculpem o clichê, mas está na hora de deixarmos os mortos descansarem e seguirmos em frente.

O bicho pode ser feio ou bonito de acordo com nossas crenças culturais. Mas até que ponto podemos considerar da ordem natural quando se trata do interesse comum de uma comunidade? 


Curiosidade da vida pra tela:
Você sabia que o ator Henry Cavill foi conhecido como o ator “mais desafortunado de Hollywood”?  Justamente por perder papéis importantíssimos cujos personagens nada mais foram que James Bond, Batman e (pasmem!) o próprio Superman (só que no longa anterior: Superman Returns!)? puxa, isso é que é dar a volta por cima!



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